terça-feira, dezembro 04, 2012

O mercado bilionário da espionagem no Brasil

Operação da PF revelou a venda indiscriminada de dados sigilosos. Em 2011, o mercado - legal e ilegal - de espionagem movimentou no país 1,7 bilhão de reais Por: Kamila Hage
Área de direito de família representa 41% do mercado nacional de espionagem (Thinkstock) A Operação Durkheim, deflagrada pela Polícia Federal na última semana, lançou luz mais uma vez sobre a venda indiscriminada de dados sigilosos no Brasil. A quadrilha tinha braços em variados setores e faziam parte dela policiais, funcionários de bancos e empresas telefônicas. As vítimas do esquema podem chegar a 10 000 pessoas, entre as quais estavam o prefeito Gilberto Kassab, um senador, um ex-ministro, dois desembargadores, um banco, uma retransmissora de TV e inúmeros empresários, que tiveram seus dados violados. Fundamentado na ilegalidade, esse mercado tornou-se próspero para seus operadores e para interessados em devassar a vida e os negócios alheios. Estudo da RCI - First Security and Intelligence Advising, consultoria em inteligência e segurança, estima que o mercado de espionagem tenha movimentado no Brasil 1,7 bilhão de reais em 2011. A cifra inclui serviços de empresas e de profissionais, formalizados ou não, e investimentos em equipamentos e contraespionagem. Regulamentada desde 1957, mas livre de qualquer fiscalização, a profissão de detetive particular abarca uma ampla gama de pessoas, nem sempre éticas ou bem-intencionadas. Os desvios mais comuns são a instalação de escutas telefônicas ilegais e a quebra de sigilo bancário, obtidas com o suborno de funcionários de companhias de telefonia e de instituições financeiras. “O clássico detetive particular vive sempre numa linha tênue entre a legalidade e a ilegalidade. Se ele quiser levantar dados de uma pessoa, dentro da legalidade, vai demorar muito tempo, se é que vai conseguir”, afirma Ricardo Chilelli, especialista em segurança e presidente da RCI. Também é comum que ex-policiais e ex-membros de agências governamentais, em virtude da acessibilidade a dados secretos, componham o furtivo mercado de detetives particulares. A Operação Monte Carlo, deflagrada pela Polícia Federal em fevereiro deste ano, revelou que o bicheiro Carlinhos Cachoeira contava com ajuda de um araponga para plantar grampos em pessoas do seu interesse. O ex-sargento da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, conhecido por Dadá, foi preso na operação, mas, em junho, conseguiu um habeas corpus e está em liberdade desde então. A RCI existe há 22 anos e assessora 25 companhias brasileiras no setor da contraespionagem, para frear o vazamento de informações, principalmente das áreas de planejamento e marketing. “As empresas perdem com espionagem no Brasil de 1 bilhão de reais a 1,5 bilhão de reais”, diz Chilelli. Pesquisa feita com 451 detetives particulares do Brasil aponta que a área de direito de família representa 41% do mercado nacional. Dentro desse nicho, lideram as demandas por suspeita de adultério. É o caso clássico do desconfiado que coloca um espião para acompanhar a rotina do cônjuge, para elucidar suas dúvidas. Mas, segundo Chilelli, os escritórios de advocacia também vêm recorrendo aos artifícios da espionagem. Eles têm contratado detetives para reunir dados que podem ser usados em processos de separação ou de pensão alimentícia. “É uma forma de descobrir o tipo de vida que o espionado leva e qual seu verdadeiro potencial econômico”, afirma. O mundo da espionagem abarca ainda um mercado de dossiês sobre os mais variados temas e que servem, sobretudo, a empresas. A área está em franca expansão e já representa 39% do mercado da espionagem. Na esfera política, esses dossiês as vezes resultam em grandes escândalos, como o que houve nas eleições presidenciais de 2010, com um documento elaborado a partir da quebra de sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do então candidato à presidência José Serra (PSDB). Uma investigação da Corregedoria da Receita Federal descobriu que os dados fiscais de Verônica foram violados duas vezes – ambas em 2009. Localização – Outros 10% dos serviços de espionagem correspondem a pedidos de escritórios de advocacia, para a localização de pessoas que constam como partes de processos judicias, mas estão desaparecidas, o que atrasa o andamento da ação. Apesar de alguns escritórios de advocacia terem como prática recorrer a espiões, há um limite imposto pela lei. Se o serviço contratado envolver alguma ação ilegal, como a quebra de sigilo, o advogado será também responsabilizado pelo crime. O presidente do Tribunal de Ética da seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carlos Eduardo Fornes Mateucci, afirma que advogados que contratam serviços ilícitos podem ser suspensos por até 120 dias. A punição pode chegar a uma expulsão da OAB, se houver uma condenação judicial. No passado, os detetives particulares eram remunerados por hora de trabalho. Ou seja, quanto mais tempo demorassem em um caso, maior seria o pagamento. Esse cenário mudou. Hoje, eles recebem por empreitada. Assim, buscam o maior número possível de clientes e, portanto, a agilidade se tornou crucial no novo sistema. Abre-se, para os maus profissionais, uma brecha para a ilegalidade. Na prática, recursos como as interceptações telefônicas são usados com frequência como atalhos. Continue a ler a reportagem clicando aqui. Infográfico VEJA
A profissão na prática – A profissão de detetive foi regulamentada em fevereiro de 1957, pela Lei nº3.099. Contudo, não há órgãos fiscalizadores das atividades de investigação particular. Os profissionais que escolheram o lado da legalidade brigam pela aprovação do um projeto de lei no Congresso Nacional que crie órgãos de controle. Doze documentos com esse propósito estão em tramitação no Legislativo. A esperança está no PL nº1211, de 2011, que propõe a criação do Conselho Federal de Detetives do Brasil e institui Conselhos Regionais. O texto aguarda a designação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. “Nossa expectativa é de que a proposta seja votada no próximo ano”, diz Fernando Carvalho, presidente do Sindicato dos Detetives Particulares do Estado de São Paulo (Sindesp). Com quarenta anos de experiência na profissão de detetive particular, Carvalho avalia o peso que uma investigação ilícita pode ter na vida de uma pessoa. “Que autoridade eu tenho para quebrar o sigilo de quem quer que seja? Nunca se sabe para que o cliente quer aquele dado, Será que é para matar, torturar, sequestrar?”, diz. “Detetive tem que ter o pé no chão. Não pode fazer o que quiser.” Fabricio Dias, proprietário da agência Líder Detetives, está no mercado há quatorze anos. “Existem outros caminhos para você conseguir a prova sem ter que passar para o lado da ilegalidade”, afirma. “Um deles é seguir a pessoa e fotografá-la.” A agência tem um corpo de quinze profissionais, que trabalham como freelancers e são pagos por caso. Uma investigação básica custa em média 4 000 reais. No pacote estão inclusas imagens da pessoa seguida e escutas autorizadas, instaladas em casas e automóveis. Os grampos só são considerados autorizados quando o dono da residência ou do carro permite sua instalação. Assim, o mecanismo é muito usado para investigar adultérios, já que o contratante mora na mesma casa do investigado. Apurar uma traição conjugal leva, em média, de cinco a dez dias. Atuar dentro da lei, no entanto, custa clientes às agências especializadas. Fabricio Dias conta ter perdido trabalhos para outras empresas por não oferecer serviços ilegais. “Se o cliente pede, e o detetive fala que é crime, a pessoa simplesmente vai procurar alguém que faça esse trabalho, pois há oferta no mercado.” Vale lembrar: instalar escuta telefônica não autorizada judicialmente é crime previsto em legislação ordinária de 1996. A pena para a violação é de dois a quatro anos de reclusão. Já a quebra do sigilo bancário é ilegal de acordo com lei complementar de 2001, com pena prevista de um a quatro anos de reclusão. Se provado qualquer um dos crimes, a vítima ainda pode processar o culpado por danos morais com pedido de indenização, pois a inviolabilidade da intimidade é um direito garantido pela Constituição Federal. Contraespionagem – Do outro lado do balcão, há a contraespionagem, a defesa de informações sigilosas. Com medo do impacto econômico que o vazamento de um dado pode gerar, muitas companhias contratam consultorias para neutralizar a venda de dados sigilosos. Essas empresas contam com uma gama abundante de equipamentos que identificam câmeras de vídeo, microfones e outros artifícios tecnológicos usados no mercado da espionagem. “A cada dez vezes que me chamam para verificar se existem grampos em uma empresa, em seis eu encontro alguma coisa”, afirma Ricardo Chilelli, que atua no setor. Da cifra de 1,7 bilhão de reais que o mercado da espionagem movimentou em 2011 no Brasil, pelo menos 543 milhões foram gastos em contraespionagem. As companhias não economizam na proteção de suas informações e usam recursos cinematográficos para isso. Um deles é a “sala antigrampo”. No Brasil há 286 salas desse tipo, que custam de 75 000 a 500 000 dólares. Elas não possuem janelas e são equipadas com apetrechos capazes de identificar qualquer atividade eletromagnética. Não é possível usar gravador, celular ou microfone dentro do ambiente. Esse tipo de cômodo é usado por empresários para reuniões que envolvem negociações secretas ou, por vezes, escusas. A maior parte das salas antigrampo está em Brasília. “As empresas montam o que chamam de “escritório de relações governamentais” na capital federal, onde são instaladas essas salas. A função é criar ambientes seguros para fazer o famoso lobby”, afirma Chilelli. Os números da espionagem no Brasil mostram o valor da informação, seja ela pessoal ou empresarial. No mundo dos negócios, a relevância dos dados é refletida nos ganhos e perdas econômicos de uma corporação. Na vida pessoal, o uso de dados fruto de espionagem podem causar desde um divórcio milionário até um crime passional

Seleção nada natural

Mico-leão-dourado (Leontopitechus rosalia): vive na Mata Atlântica O risco de extinção das espécies brasileiras é evidente e aumenta a cada dia. Mas o problema pode ter começado muito antes da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil por Marcelo DelduqueFonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL No fim de 2000, uma ararinha-azul macho que vivia livre na natureza sumiu de Curaçá, no sertão baiano. Foi o ato derradeiro de uma luta que ecoou muito além dos limites do semiárido nordestino. A menor entre as araras brasileiras, de nome científico Cyanopsitta spixii, era uma sertaneja forte, de asas longas, com voo sofisticado e econômico de energia, adaptada ao ralo alimento encontrado no semiárido. No entanto, essa espécie evoluída em termos adaptativos era bela demais, e não forte o bastante, para resistir à predação humana. Extinções sempre existiram, pelo menos há 3 bilhões de anos quando teve início a vida no planeta. A grande maioria das espécies que surgiram não está mais aqui. E a biodiversidade que conhecemos é resultado de complexa teia de seleção de espécies mais bem adaptadas a cada condição natural. O ser humano provocou mudanças sem precedentes na trajetória da vida. Em alguns milhares de anos, ele conquistou todos os continentes, dotado de um poder destrutivo comparável aos fenômenos responsáveis pelas extinções em massa no passado remoto - a exemplo do súbito desaparecimento dos dinossauros. Quanto já extinguimos? "Os biólogos acham difícil apresentar sequer uma estimativa aproximada da hemorragia, porque, para começar, sabemos pouquíssimo sobre diversidade. Extinção é o processo biológico mais obscuro e localizado", explica o naturalista americano Edward Wilson. E arrisca: "A atividade humana aumentou a extinção em mil e 10 mil vezes além desse nível [o nível natural] nas florestas tropicais apenas pela redução de sua área. Claramente estamos vivendo um dos grandes espasmos de extinção da história geológica". A ararinha-azul foi dizimada pela avidez dos traficantes de pássaros, estimulados por colecionadores que chegavam a pagar até 40 000 dólares por um único espécime. Como no processo econômico de oferta e demanda, o valor inflacionou à medida que a ave rareava. Em 1995, pesquisadores chegaram a soltar no sertão uma fêmea nascida em cativeiro. Mas o tão esperado acasalamento nunca aconteceu. Após o sumiço do macho de Curaçá, a guerra passou a ser travada em cativeiro. O objetivo é parear os cerca de 70 exemplares existentes mundo afora, "contemplando o máximo de diversidade genética possível", informa a bióloga Yara Barros, coordenadora de cativeiro do Comitê Permanente para Recuperação da Ararinha-Azul, vinculado ao Instituto Chico Mendes. "O desafio para os próximos anos é aumentar a população em cativeiro para, no futuro, tentar a soltura na natureza." Uma questão crucial é se as matrizes existentes ainda poderão dar conta de manter uma população viável. "Infelizmente, isso é o que temos", resigna-se Yara. Além da herança genética, há os aspectos de conhecimento e aprendizagem que passam de pai para filho, como busca por alimento e técnicas de proteção contra predadores. Se a espécie retornar de fato ao ambiente, esses hábitos deverão ser reaprendidos. O impacto da ação humana no Brasil pode ser bem mais antigo que o desembarque da esquadra de Cabral há 500 anos. Na realidade, o ser humano chegou à América do Sul há pelo menos 12 mil anos, e os primeiros grupos que povoaram os campos no continente conviveram com uma fauna estranha aos dias atuais. Os caçadores nômades foram atraídos pela fartura de grandes mamíferos, como preguiças, tatus gigantes, e outros animais, como elefantoide, toxodonte e esmilodonte - alguns maiores que bois. A chegada do ser humano coincidiu com a súbita extinção dessa megafauna, o que sugere uma associação entre os dois eventos. Os homens teriam se fartado tanto com a abundância quanto com a facilidade de caça, sem dar conta do extermínio. É apenas uma hipótese, mas pode ter sido o prenúncio do que estava por vir. Até os portugueses aportarem, não há indícios de nenhum evento de impacto tão profundo como o extermínio da megafauna - várias espécies teriam sido extintas logo no começo da colonização. Segundo relata o historiador Warren Dean, o cronista Fernão Cardim havia descrito uma ave de penas de "quase todas as cores em grande perfeição, a saber, vermelho, amarelo, preto, azul, pardo, cor de rosmaninho, e de todas estas cores tem o corpo salpicado e espargido", que não corresponderia a nenhuma espécie encontrada nos dias atuais. O resultado é que o Brasil é hoje o segundo país em número de espécies ameaçadas. Está atrás apenas da Indonésia, de acordo com a Fundação Biodiversitas - entidade encarregada da lista vermelha de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção que segue metodologia da União Mundial para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). De acordo com o último levantamento, existem 627 bichos ameaçados no Brasil, contra os 207 relacionados em 1989. Há sete espécies extintas definitivamente e duas extintas na natureza. "Em 1989, participaram do levantamento 22 especialistas; já em 2003 [data da última pesquisa realizada] foram 227 pessoas", explica Rafael Thiago, da Biodiversitas. "As descobertas de novas espécies e as pesquisas aumentaram; porém, ainda conhecemos bem pouco sobre nossa fauna. Mas as pressões também se tornaram mais agudas", diz. Embora imperfeitas, as listas ajudam a subsidiar políticas públicas de conservação, a fomentar a pesquisa e o manejo, e até estimulam a criação de unidades de conservação. Não fosse uma espécie vistosa, o desaparecimento da ararinha-azul sequer teria sido registrado. As araras fascinam. Foram os bichos mais perseguidos durante a formação do Brasil, e serviam de símbolo para identificar a colônia nos mapas, com diz a legenda: "Brasilia sive terra papagallorum". Espécies exuberantes tanto atraem a cobiça de caçadores, como são capazes de sensibilizar as pessoas sobre a importância de conservá-las na natureza. E a bandeira levantada em favor de sua proteção, quando bem articulada, ajuda a proteger o bioma em que ela está inserida. É uma estratégia conservacionistas. É assim com a onça-pintada, com as baleias franca e jubarte, com outras araras; com o peixe-boi, com os primatas de forma geral e com as tartarugas-marinhas: são bichos que representam a natureza brasileira e catapultam os esforços para conservá-la. É o caso do mico-leão-dourado, diminuto primata endêmico das florestas de baixada da Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro. A ação de traficantes de animais, associada ao desmatamento, reduziu a população a cerca de 250 indivíduos, em meados da década de 1960. Foi quando o alarme soou, graças à voz quase solitária do primatólogo Adelmar Faria Coimbra Filho, integrante da pioneira Fundação Brasileira da Conservação da Natureza (FBCN), cujos estudos culminaram na criação da primeira reserva biológica no país, a de Poço das Antas, em 1974. Mas a área da reserva não era suficiente para abrigar uma população viável de micos, que precisariam de fragmentos da floresta dos arredores em propriedades particulares. Sem áreas conectadas, as populações se isolariam. Avançar as áreas florestadas para dentro das fazendas implicava romper paradigmas, como lembra a atual coordenadora do projeto Denise Rambaldi, laureada no ano passado com o Prêmio Liderança em Conservação na América Latina, da National Geographic Society. "A primeira pergunta que o fazendeiro faz é sobre o custo de oportunidade: 'Quanto eu vou perder de pasto?' Mas nós procuramos pegar pelo lado emocional, embora hoje em dia já tentamos remunerá-los, pondo as terras nos mecanismos de compensação com créditos de carbono", explica ela. Foram longos processos de negociação, e os fazendeiros envolveram-se a tal ponto que a Associação Mico-Leão-Dourado, criada em 1992 para gerir o projeto, tem hoje um como presidente. E Poço das Antas ganhou em seu entorno 17 áreas protegidas na modalidade Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), criadas por iniciativa dos próprios fazendeiros. Sob os auspícios do pequeno mico, cuja população na natureza, no fim de 2007, somava 1,6 mil indivíduos, a Mata Atlântica como um todo se beneficiou. "O mico-leão-dourado mudou de status na lista global de espécies ameaçadas, passou de 'criticamente ameaçado' para 'ameaçado'", diz Denise. Para se ver livre do risco de extinção, deverá haver, segundo modelos matemáticos, pelo menos 2 mil indivíduos na natureza até 2025, em uma área contínua de 25 mil hectares. Transformações culturais estão na espinha dorsal de qualquer plano para salvar espécies, mas, quando o imperativo econômico fala alto, se erguem barreiras espinhosas. O drama da onça-pintada é emblemático. Segundo o biólogo Tadeu Gomes de Oliveira, no fim dos anos de 1960, matavam-se 15 mil onças por ano - somente pelos dados oficiais de exportação de peles. Apesar da proibição, em 1967, de se comercializar essas peles, matar onça ainda faz parte do cotidiano em muitos grotões no Brasil. O Pantanal Mato-Grossense é um dos últimos refúgios desse grande mamífero. Mas por onde o gado de corte se espalha o embate é feroz. Algumas iniciativas tentam conciliar a atividade de pecuária com a sobrevivência do bicho. É o caso do projeto comandado pelo biólogo Peter Crawshaw nos arredores de Corumbá. "Iniciamos o pastoreio noturno com trator. Quando o tratorista percebe que o gado está inquieto, ele solta rojões na direção do mato", explica. "Isso tem diminuído muito a predação. O próprio gado se dá conta de que o trator é uma proteção, e fica próximo a ele." Os rojões afugentam a onça. Um alerta de que ali é o território do bicho homem. Pantaneiros forjam assim um acordo de boa convivência com as onças. Bom para ambos. Pois bichos e gente, como estamos aprendendo a duras penas, são partes do mesmo todo. Como todas as espécies de animais, as aves que vivem no bioma mais devastado são as mais ameaçadas de desaparecer. E a Mata Atlântica, em que sobrou apenas 7% de sua composição original, é o hábitat de bichos em maior perigo de extinção. Principalmente os endêmicos, como a jacutinga, que sofre também por se alimentar do coco do palmito juçara, uma planta igualmente ameaçada em razão da ação de palmiteiros ilegais. A destruição do hábitat também é a ameaça ao pato-mergulhão - antes visto facilmente em rios da serra da Canastra e regiões montanhosas de Minas Gerais. O mesmo ocorre com animais endêmicos de regiões da Amazônia, como o cada vez mais raro mutum-de-penacho. A ave vive nas regiões do leste do Pará e Maranhão, justamente uma das partes mais ameaçadas do bioma, situada no arco do desmatamento. O desaparecimento de espécies que constituem a base da cadeia alimentar desequilibra todo o ecossistema. O sumiço de um anfíbio, por exemplo, pode ter um efeito dominó devastador na alimentação de várias espécies de vertebrados. O mesmo ocorre com os insetos e a flora, como briófitas, pteridófitas e bromélias. As mudanças climáticas e a poluição atingem primeiro esses seres mais sensíveis, que são indicadores das mudanças que ocorrem no planeta. Por isso tem sido verificado o desaparecimento de sapos e anfíbios, mas que agora está sendo agravado pela ação do fungo quitrídia. Já os peixes, no país que possui a maior quantidade de água doce do mundo, equilibriam os rios, que por sua vez hidratam as matas. Mas a cadeia de pesca desregulada coloca em risco a fauna aquática. E o equilíbrio advindo dela, como o controle da proliferação de pragas e insetos na beira de rios. Encontrar hoje um cachorro-do-mato-vinagre na natureza é como ganhar na loteria - ao menos para um fotógrafo de natureza. Mas trata-se de um prêmio a ser comemorado com parcimônia, tal é a vulnerabilidade da existência dessa espécie. Ele nunca foi caçado por interesse econômico, em razão de sua bela pelagem, como ocorreu até os anos 1960 com a jaguatirica e outros felinos. No entanto, é a destruição do hábitat a maior ameaça a sua existência. O mesmo ocorre com a maioria dos mamíferos que habitam o território brasileiro. Constar nas listas de espécies ameaçadas é o primeiro passo que dá início a uma série de ações que visam impedir a extinção do animal. Para isso, o Ibama e a Fundação Biodiversitas produzem um documento técnico sobre a situação de perigo de desaparecimento de cada animal. Foi dessa forma que o peixe-boi começou a receber proteção especial de pesquisas e recursos no litoral do Nordeste e na Amazônia para sobreviver.