Estudo feito pela Universidade Federal de Minas
Gerais liga o nível de testosterona abaixo do normal a disfunções sexuais em
mulheres
Por: Carolina Cotta
Belo Horizonte — Elas
ocuparam espaço no mercado de trabalho, governam nações, ganharam espaços
inimagináveis até alguns anos atrás. Mas, na cama, 46% das mulheres ainda
relatam experiências de disfunção sexual, problema definido pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) como a incapacidade de ter relações com satisfação.
Cansaço, estresse, pouca sintonia com o parceiro e influência de medicamentos
são fatores constantemente associados à ausência de prazer. Uma pesquisa
inédita do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
(HC/UFMG) acrescenta mais uma causa a essa lista: o baixo nível de
testosterona.
O dado consta do estudo Avaliação da frequência de alterações hormonais em
mulheres no menacme com disfunção sexual, tema da dissertação de mestrado da
ginecologista e sexóloga Fabiene Vale. Menacme é o período da vida adulta
feminina com atividade hormonal. É a fase entre a menarca e a menopausa. A
análise da pesquisadora revelou a relação dos baixos níveis de testosterona com
desordens que podem afetar o desejo, a excitação e o orgasmo ou causar dor
durante ou depois do sexo. Segundo Vale, para uma função sexual adequada, toda
mulher precisa de androgênio — sendo a testosterona o mais importante.
Geralmente, os níveis do hormônio começam a
diminuir a partir dos 20 anos, de forma lenta, até chegar à menopausa, quando
há uma queda abrupta. “A novidade é a descoberta de mulheres em período
reprodutivo, com 44 anos no máximo, com níveis de testosterona muito abaixo da
normalidade e quadro de disfunção”, explica Fabiane.
Foram estudadas 60 mulheres entre 18 e 44 anos com queixa de disfunção sexual.
Setenta e cinco por cento delas apresentaram baixos níveis de testosterona ou a
síndrome de insuficiência androgênica feminina. Só foram incluídas na amostra
pacientes sem problemas psicológicos, sociais ou de relacionamento, com o
objetivo de permitir a observação isolada da influência das alterações
hormonais. Nenhuma delas tomava medicamentos, que também poderiam influenciar
os resultados. Todas as mulheres envolvidas na pesquisa são pacientes do Ambulatório
de Sexologia Ginecológica do Hospital das Clínicas, que desde 2011 atende
queixas sexuais.
“As mulheres com queixas sexuais geralmente estão
infelizes e não têm onde procurar ajuda no Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje,
a mulher que não sente desejo e não tem orgasmos encontra esse atendimento à
disposição. E como estamos em um hospital universitário, temos dados para
pesquisas. O próximo passo é um estudo que busque alternativas de tratamentos”,
adianta o coordenador do ambulatório e orientador da pesquisa, Selmo Gebero. Os
mecanismos responsáveis pela resposta sexual feminina ainda não estão
totalmente esclarecidos. Sabe-se que alterações anatômicas, desequilíbrios
neuroendócrinos ou diminuição dos hormônios sexuais podem levar à disfunção. Os
fatores biológicos, contudo, são apenas parte do problema, que também envolve
fatores psicológicos e sociais.
E.B.S., 32 anos, vivenciou essa realidade. Casada
há oito anos, foi diagnosticada com distúrbio do desejo sexual hipoativo, um
dos tipos de disfunção sexual (veja quadro). “Durante um ano, observei a
diminuição do desejo sexual e, nos últimos meses, perdi completamente a vontade
de fazer sexo. Não tinha vontade nenhuma de começar uma relação e, no último
mês, antes de procurar ajuda, tive apenas uma relação, muito ruim. Tenho um
ótimo relacionamento com o meu marido, ele é bom pai e ótimo companheiro, mas
isso estava me deixando triste, e ele, insatisfeito”, relata. Depois de exames
com dosagem de testosterona, foi confirmada a baixa nos índices do hormônio. A
paciente passou por seis semanas de tratamento com medicação e terapia sexual.
“Resgatei meu desejo sexual, estamos tendo quatro relações satisfatórias por
semana. Melhorei a convivência com o meu marido também em outros aspectos.”
Gatilho do sexo
As disfunções sexuais são os transtornos mais
comuns da sexualidade, que incluem ainda os transtornos de preferência sexual e
os transtornos de identidade sexual. Segundo a psiquiatra Carmita Abdo,
coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, o ato sexual se divide em
desejo, excitação e orgasmo. Em todos eles, a mulher pode sofrer bloqueios e/ou
dor. Entretanto, é necessário que exista sofrimento para se fazer uma intervenção.
Geralmente, seis meses de evolução do quadro são necessários para fechar o
diagnóstico de disfunção sexual. “Não se intervém na primeira semana. Em geral,
é preciso avaliar o contexto.”
O sexo, segundo a especialista, começa com um desejo. Esse é o gatilho que
acelera a frequência cardíaca e respiratória, alterando também a pressão e a
temperatura corporal. Tudo isso leva, no caso do homem, à ereção, e, no caso da
mulher, à lubrificação da vagina. Essa fase é a excitação. Se tudo corre bem,
os parceiros chegam ao clímax de prazer, o orgasmo. A partir daí, entra-se na
resolução do ato, ou saciedade, em que respiração e a frequência cardíaca
voltam aos níveis anteriores. Mas homens e mulheres passam de forma diferente
por essas fases. O homem entra na relação com muito desejo e logo entra na fase
de excitação, afinal seu estímulo é visual. O da mulher é auditivo, tátil, seu
desejo vem com a proximidade. Daí a necessidade das preliminares. A resolução
do homem é rápida, a da mulher, paulatina.
Só 10% das mulheres têm desejo sexual espontâneo. A
maioria precisa de um desejo responsivo para se excitar. A partir daí, a
excitação é maior e ela chega a uma satisfação emocional e física. “A mulher
não precisa iniciar o ato com desejo e, se isso não ocorrer, não significa que
é uma disfunção. Não ter organsmo também não é, necessariamente, uma disfunção
sexual. Ficar neutra durante o ato é possível sem que seja caracterizada a
disfunção. A mulher precisa estar saudável física, emocional, cultural e
socioeconomicamente, além de ter um parceiro. É isso que garante integridade e
integração. E a mulher precisa de estímulo. Ela tem outro perfil hormonal,
neuropsicológico e psicossocial.”
Segundo Fabiene Vale, para quem deseja uma vida sexual saudável, carinho e
companheirismo podem ajudar. Atualmente, o modelo mais aceito para explicar a
resposta sexual nas mulheres reforça a importância da intimidade emocional com
o parceiro e a satisfação da própria percepção de desejo e necessidade sexual.
A ginecologista alerta não ser possível pelo estudo afirmar qual seria a
prevalência desse problema na população em geral. Porém, sabe-se que é alto o
índice de mulheres afetadas por essa síndrome. “Por isso, é preciso tratar esse
assunto como um problema de saúde pública”, defende a pesquisadora, que já
prevê que o próximo passo será quantificar essas mudanças. “Com mais esse dado
em mãos será possível propor uma melhor abordagem no tratamento”, comemora.
Para saber mais - Mínimo necessário
A testosterona, apesar de ser conhecida como um “hormônio masculino”, também é
encontrada em mulheres, ainda que em quantidades menores. Sua ação direta em
receptores específicos está relacionada ao prazer e à resposta sexual feminina.
São necessários níveis mínimos desse hormônio para que exista a ativação do
centro cerebral do prazer. A queda acentuada desses níveis leva à síndrome de
insuficiência androgênica, que provoca a queda da libido assim como diminuição
da sensação de bem-estar geral, mudança de humor e fadiga persistente e sem
causa aparente.
Tipos de disfunção
» Distúrbio do desejo sexual hipoativo —
Caracterizado por falta de libido e de vontade de fazer sexo mesmo diante de
motivação. A paciente simplesmente não consegue ter desejo sexual. Essa é a
disfunção mais comum
» Distúrbio da excitação — Não ocorre manifestações do corpo diante de um estímulo sexual. A
vagina não fica úmida, não há ereção dos pelos e dos mamilos, nem taquicardia e
aumento da frequência respiratória
» Distúrbio do orgasmo — Caracteriza-se pela incapacidade de atingir o orgasmo
» Disfunção da dor sexual — Pode ser por dispareunia, que é a dor durante o ato sexual, ou
vaginismo, quando há impossibilidade da penetração devido a uma contração
involuntária da musculatura pélvica. É comum em jovens que têm desejo, mas não
conseguem ser penetradas. O vaginismo não tem causa psicológica e é o mais
fácil de ser tratado
Túlio Santos/EM/D. A Press Fabiene Vale: "É
preciso tratar esse assunto como um problema de saúde pública"